quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A quem a auto-ajuda ajuda? - Atualizado em 15-Nov-15



    Ás vezes eu fico olhando para o que acontece no mundo e fico pensando se apenas eu consigo ver certas coisas que parecem passar despercebidas pela multidão que cruza por mim o dia todo, correndo de um lado para o outro, resolvendo os seus problemas, ou criando novos para si mesmos.

    Já fazia um tempo que eu não ia a uma banca de jornais. Visitei uma no shopping e fiquei contemplando aquela miríade de revistas e livros para todos os gêneros e gostos.

    O mais interessante é que grande parte de toda aquela vasta literatura direta ou indiretamente tinha o cunho de autoajuda (não necessariamente explicito).


    Praticamente todas as revistas de fofocas, tem algum artigo de autoajuda, seja ele disfarçado de como vestir-se melhor, alimentar-se melhor, maquilar-se melhor, etc. porém utilizando pessoas da mídia (atrizes, cantoras, atletas ou apresentadores de algum programa de TV).

    Ou seja, tais artigos mostram aquela casa linda bem decorada, ou aquele corpinho escultural de uma atriz bem conhecida (e linda por sinal), como modelo a ser seguido para que você também possa sentir-se tão bem por dentro, mesmo que seja apenas para dizer que veste-se, alimenta-se, tem algo na sua casa, ou pratica alguma coisa, tal qual determinada atriz.


    Seria isto uma autoajuda ou uma autoanulação da própria personalidade, pois o fato de admitir que para ser feliz é mais fácil imitar o que os outros fazem e não o que a própria pessoa pode desejar e gostar (mesmo que os outros não gostem).

    Por que temos que correr atrás de modelos estereotipados para termos uma vida "natural", como se a nossa verdadeira vida natural, não fizesse sentido?


    E o pior de tudo isso é que, a medida que esses "modelos de ocasião" mudam de gosto, de hábito e até mesmo de dieta, milhares de seguidores o fazem também, sem ao menos parar para refletir se tais atitudes de fato vão fazer bem a si mesmos. E com a tecnologia literalmente nas nossas mãos, essas mudanças coletivas são quase instantâneas.


    Quero deixar bem claro que não refiro-me aquelas "modas de época", como por exemplo a moda hippie dos anos 70 e de outras dos anos 80 e 90. Até aí tudo bem, por que não há uma sugestão pessoal sobre como direcionar a sua vida baseada nos hábitos, crença ou gostos de uma determinada pessoa.

    Eu acho até legal quando vejo jovens que mudam o seu penteado, ou incorporarem o uso de alguma vestimenta para se identificarem com o seu artista ou atleta favorito. Porém, quando uma pessoa se penteia como a personalidade A, veste-se como a personalidade B, alimenta-se como a personalidade C e pratica atividades físicas como a personalidade D, aí então, tem alguma coisa muito errada ao meu ver.


    Pois, uma coisa é de forma saudável "imitar" o seu ídolo em alguma particularidade, e a outra, é anular a sua própria identidade em detrimento dos hábitos de alguém, que mesmo possuindo certos talentos e beleza, suas atitudes não refletem as necessidades próprias daqueles que os  admiram.


    Não sei se na ânsia de publicar matérias nos periódicos (para fechar a edição), ou se para explorar o sucesso de alguma personalidade, "encaixa-se" algumas matérias que podem até serem úteis para uma certa parcela da humanidade, mas que não são um modelo de vida, saúde ou caráter.

    Cada vez mais, eu costumo observar que a atual geração está mais "ligada" no modo de viver, vestir-se e alimentar-se pelo que estas personalidades da mídia espelham através da televisão, cinema ou shows.

    São inúmeros casos de fãs que chegam ao extremo a ponto de modificar o seu próprio corpo (seja uma tatuagem ou uma cirurgia estética), apenas por que ficou legal na atriz, modelo ou atleta...


    Tais jovens esquecem-se que apenas estas opções tem alguma validade no universo pessoal de cada pessoa, e que não há verdadeiramente um atributo que possa ser "aplicado" e universalizado sem critério ou uma razão real de ser.

    Todos nós temos qualidades únicas, e honestamente eu não encontro nenhuma necessidade pessoal de abrir mão da minha própria individualidade. No meu caso, eu não não tenho que comer o que os outros comem, vestir o que os outros vestem, usar o que os outros usam ou participar de alguma coisa por que outros o fazem.

    É claro que não há nada demais em gostar e até usufruir algo que descobrimos em alguém que admiramos, desde que não percamos a nossa própria individualidade.

    A maioria das pessoas geralmente não notam que seus atributos (inclusive aqueles desconhecidos) são admirados por outras pessoas. Podemos até realçar alguns destes atributos, mas não importar de outrem algo que não é verdadeiramente nosso.


    Quem realmente gosta de nós, gosta não apenas do que aparentamos, mas do que realmente somos como pessoa. E como todo ser humano, é claro que não somos perfeitos... e daí? você conhece alguém que seja?


    Eu me lembro através daqueles filmes dos anos 50 e 60, que era moda as mulheres terem consultas com um psicólogo, e na verdade, muitas até iam sem precisar de nenhuma assistência psicológica. Elas apenas iam por que parecia ser algo de status, pois as estrelas do cinema costumavam interpretar papeis em que visitavam psicólogos. Ou seja, naquela época toda a mulher moderna não tinha que viver estressada e afogar as suas angústias nas tarefas do lar.


    Este fato mostra que já é de longa data essa mania de imitar as celebridades. O perigo é essa imitação seguir os mesmos vícios e comportamentos que expressam alguma forma de descriminação ou preconceito.

    O mais interessante é que através desses periódicos aonde há alguma coluna de um psicólogo em que este responde as cartas dos leitores. Estas perguntas e respostas costumam serem lidas de forma genérica, como se a resposta dada a um problema de um leitor servisse como uma receita para os demais.


    O que a maioria dos leitores não sabem é que apenas parte do conteúdo da carta que o leitor formulou a sua pergunta é publicada, até por que isso violaria o sigilo médico paciente. Por isso, a resposta dada pelo profissional está baseada em elementos que são desconhecidos pelos outros leitores, e que fazem apenas uma leitura superficial, desconhecendo os problemas reais que envolvem a resposta do profissional. Essa comodidade faz os leitores de ocasião, iludirem-se com orientações incompletas e provavelmente bem distante da realidade de cada leitor.

    E se somarmos as colunas de outros profissionais, como nutricionistas, fisioterapeutas, cardiologistas, etc. dá para se ter noção do quanto uma leitura sem a devida reflexão pode causar a quem lê e segue as orientações que encontram-se lá.


    É claro que é muito mais prático colecionar dicas sobre o bem viver, ao invés de procurar um especialista e tratar do problema com a responsabilidade necessária. Infelizmente, parece que fazer os leitores mudarem de hábito é uma tarefa quase impossível, principalmente com o advento da internet que ampliou exponencialmente esta prática de seguir "receitas prontas" online sem ao menos estar seguro se as palavras realmente retratam a experiência profissional de quem as publicam e se estes são realmente profissionais ou alguém que vive do acesso à alguma página web (graças a publicidade) e cobrança via cartão de crédito.

    Vai e vem e sempre aparece algum artigo que me remete ao assunto segurança na WEB, e pelo andar dos internautas, este assunto ainda vai reaparecer muitas e muitas vezes.



    A internet pode até facilitar a vida do paciente e do seu médico, trocando informações via e-mail, redes sociais mas nunca irá substituir uma consulta cara a cara, e sempre questionar o teu médico sobre algum artigo da WEB que te chamou a atenção.

    A minha única especialidade é algum conhecimento em TI e eletrônica, para mim isto é o suficiente para não confiar numa relação estritamente online, seja ela de que tipo for.


    Eu não posso deixar de expressar uma certa angústia ao ver esta nova geração que mal dialoga com os próprios pais e refugiam-se nos conselhos de colegas ou de "amigos" de redes sociais. É estranho é até ilógico apostar na solução de problemas pessoais recorrendo-se a métodos fáceis como nas amizades cibernéticas.

    A WEB é um mundo que pode muito bem ser explorado para coisas maravilhosas, como também camuflar intenções nada amigáveis que surgem cheias de propósitos generosos e honestos.


    É impressionante a quantidade de pequenos livros de autoajuda à venda nas livrarias, e a grande maioria destes, apenas trata de relatos de experiências pessoais as quais podem não ser verídicas ou podem ter sido "importadas" de outra literatura. É algo semelhante as colunas de periódicos.

    A coisa fica mais complicada quando estes livros tem cunho religioso e opiniões e soluções baseadas na pura fé, algo que não ajuda em nada a pessoa que realmente procura uma solução bem fundamentada em um conhecimento empírico e prático.

   Eu sei que eu não vou agradar nem um pouco os membros de ordens religiosas, pois eu sei que é muito fácil compor uma literatura baseada em algum livro sagrado, pois todos os elementos necessários já estão ali na literatura teológica.

    É tudo um pouco de criatividade, para compor uma redação atraente e envolvente, aliada a fé do leitor, é garantia de vendas e um rápido descanso do livro na prateleira da casa do leitor (que talvez nem leia o livro todo).

    Assim como artistas, atletas e apresentadores de TV, muitas pessoas seguem as ideias de líderes religiosos, de certa forma estas pessoas são como fãs que correm ao encontro de seus ídolos, imita-os e absorvem as suas ideias sem nenhum escrúpulo, sem nenhuma reflexão lógica sobre o assunto, apenas o sustento da fé.

    Emissoras de TV fazem sem critério a propaganda à alguma literatura feita por algum dos seus funcionários através dos seus mais diversos apresentadores. De certa forma, cria-se uma certa confiabilidade na obra literária feita por um artista, repórter ou apresentador de algum programa.

    Quantas literaturas excelentes são negligenciadas por escritores que ficam às sombras dos holofotes que brilham apenas sobre aqueles estão em evidência na mídia? Com certeza muitas.


    O mais perigoso neste hábito de procurar respostas baseadas na experiência alheia, é quando ela é feita por crianças ou adolescentes que mal se comunicam com os pais e tem à mão um smartphone/tablet que conecta-se a centenas de "amigos" com soluções fáceis para a vida.

    Tal atitude é muito semelhante a de um cego guiar um outro cego, pois se você é um adolescente, porque para você um outro adolescente deve saber mais do que você, se ele também deve ter inúmeras dúvidas sobre si mesmo e sobre a vida?

    Por que é mais fácil não confiar em si mesmo e muito menos na própria família? Por que é mais cômodo seguir as orientações de outros, se as verdadeiras pessoas que nos amam estão tão perto de nós?

    A tecnologia não veio para afastar-nos de quem pode realmente nos ajudar. Será que a partir da nossa adolescência vamos trocar a mamadeira da infância por um smartphone e não largar este da mão?

    A liberdade que foi defendida e conquistada pelos nossos antepassados com a própria vida, vai ser sutilmente roubada por pequenos dispositivos móveis, fazendo-nos não saber mais apreciar a liberdade que temos?


    Quando alguém não consegue ir a algum lugar sem ter à mão um dispositivo móvel, consegue sentir-se uma pessoa livre? Muita luta foi necessária para extinguirmos a escravidão humana. Paradoxalmente, estamos buscando ser novamente escravos de pequenas máquinas.


    Doravante, tornar-se-á nossa liberdade uma simples capa de smartphone? A quem então, a autoajuda ajuda?


     







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